quarta-feira, 28 de abril de 2010

O cravinho

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E quem foi que disse que os outros seres não pensam, e sentem como nós? Óbvio que pensam. Óbvio que sentem.

Essa é uma estória de um pequeno Cravo. Um cravinho assim, sem graça, ‘sem sal’, como dizem por aí. Nascido no meio do nada, ao ermo. Sem família, pois quis a Mãe natureza, que ele surgisse ali, sem outras plantas ao redor. Sem abelhas e beija-flores como companhia. Sem nada.

Era só esse pequeno Cravo, num vasto deserto, e o tempo. Vez por outra chovia. Bem pouco, mas chovia. E o vento, ora, como posso esquecer do vento, que aparecia regularmente, para trocar dois dedos de prosa com o nosso cravinho tristonho. Mas era um filhote de vento. Inexperiente, fraquinho, sem histórias pra contar.

A única coisa que o desafortunado cravinho contemplava, era o sol durante o dia, e o céu durante a noite. E ele admirava a intensidade do sol, bem como a vastidão do céu. Sonhava ser o Sol. Forte, imponente. Ora sonhava ser o Céu, e abarcar o mundo com um abraço.

Contudo, continuava ali. Preso ao solo árido. Sendo um insignificante cravinho. Que nunca era notado por ninguém e que não possuía nem mesmo uma graminha amiga, pra compartilhar suas dores e frustrações.

E o tempo foi passando pro cravinho. Sua vida caminhou pelas estações. Ela agüentou bem, até que chegou o inverno. Nada de tão frio. Nada que incomodasse tanto. Porém apesar de tudo continuar sendo a mesma monotonia, o cravinho passou a senti-la mais. O clima do inverno parecia tornar tudo mais oneroso, sofrido. E ele sofria.

Ele só queria ir embora daquele lugar. Era impossível. Ele constatou isso. Restava a resignação. Ele fracassou nisso. Não tolerava a idéia de permanecer ali, ou seja, não tolerava seu destino, sua (má)sorte.

Queria ser o Sol, queria ser o Céu.

E numa manhã, o cravinho não mais viu o seu ídolo brilhar onipotente sobre ele. O cravinho definhou, não suportou mais. E enfim, se foi o pobrezinho, e enfim suas pétalas puderam realizar o sonho de seu dono, pegar carona no amigo vento, e flutuar pra qualquer lugar, que não aquele.

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